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Contos-->O Nada e o Poder. -- 26/12/1999 - 15:48 (Clayton Passos de Barros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Nada e o Poder.


A noite chegou mais tarde por causa do horário de verão. O planalto resplandeceu-se envolto pelos concretos ministeriais, onde a luz da esplanada enchia de brilhos os olhos de Nelson. O gramado central servia de morada provisória para aquele casal alienígena. Os carros que passavam paralelamente aos dois sentidos do asfalto pareciam as veis nervosas de um corpo em aflição.
_ Não estamos em Sampa, Júlia, não viaja!
_ Aqui em Brasília, os sonhos surgem burocráticos como os governantes. A morte já se instalou nos espíritos mecânicos do brasiliense: Trabalhar, vegetar, viver e não morrer. Vida cartorária, Júlia, os despachos ocorrem no fim da vida.
_Onde você acha que está o sentido da vida, Nelson ?
_É difícil, Júlia. Diante de nossa mesquinhez, não vejo sentido algum, a não ser o de possuir algo, amar algo, dominar algo.
_Aqui nós respiramos o poder, Júlia. E o poder não admite misericórdia com o semelhante. Ele traz em si a vontade intrínseca de dominar, e somente. O domínio não aceita sentimentalismos. Nesta terra de doutores, quem é paciente não alcança as delícias do poder.
_Mas o poder é abstrato, Nelson, e a vida é concreta, lógico !
_Engano seu, o poder, em Brasília, possui pernas, mãos, cérebro e vontade. Mas a alma é diminuta, assim como os seus habitantes.
Agora, a noite embreou aquele grande quadrilátero verde e apenas a iluminação do Congresso Nacional incidia sobre aquelas cabeças insólitas.
_Nossa, quanto pessimismo! _ Pensou alto Júlia.
_Você está vendo a bandeira do Brasil a meio-pau em baixo da bacia da Câmara dos Deputados? _ Nelson aponta com ar resignado.
_Sim. Quer dizer que algum deputado morreu?
_Exato! Aquele quinhão de poder se dissipou e não resta mais nada, além de murmúrios passageiros. Olhe lá Júlia , o caixão começa a deixar o Salão Negro em direção ao carro da funerária. Veja quanta gente em volta do político-defunto. Engraçado, Júlia, parece que estes políticos pensam que a mãe natureza nunca os levarão para o outro mundo, se é que existe vida além-túmulo.
_Um dia, Júlia, o Ser Humano será capaz de usufruir do poder apenas como meio de nos organizarmos pacificamente.
_Quanta utopia, Nelson! Acorda e coça as minhas costas, estão formigando.
_As dele nunca mais Júlia, nunca mais...
O cortejo seguiu pelo avião niermeyriano; os vivos eram escutados por Deus, o poder seifa, mas a vida não. A vida de cada ser ainda carece de morte.
_Quando o sentido da vida se dirige para o poder, a morte lhe chega mais rápida e cândida. Veja, Júlia, como o poder sucumbe à morte. Aquele corpo inerte não é mais capaz de empinar o nariz diante de nós.
_Por isso, Júlia, a vida finita foi a única solução encontrada por Deus para que alguns não o desafiasse, através do poder, e quisessem, mesquinhos, perpetuar-se para sempre.
Um homem de terno negro caminhou sem pressa, como se todo o tempo estivesse ao seu dispor. Formou-se um trilho imaginário que simulava um tapete vermelho, daqueles que são dispensados às autoridades durante uma homenagem. Tocou, suavemente, os ombros de ambos. Menearam a cabeça em um ato-reflexo.
_Por favor, jovens, vocês me poderiam dizer onde se encontra a humanidade?
Os dois permaneceram atônitos, e Nelson, com sua prudência adolescente, não pestanejou três vezes:
_Posso assegurar ao senhor que não será aqui onde encontrará sua resposta . Talvez esteja por debaixo desta casca que te veste.
Então, o deputado-defunto rapidamente retirou toda a sua roupa e fez a mesma pergunta.
Nelson, a princípio, ficou constrangido com aquela atitude disparatada, pois estava diante de sua namorada, e quem sabe, futura esposa.
_Que é isso, cara, enlouqueceu?
_Vista! Para mim não será mais de nenhuma serventia.
Nelson, apesar de titubear por um instante, vestiu todas as peças geladas. Sentiu-se outro homem, outro humano, quem sabe até um deus na Terra.
Neste momento, o abismo que havia entre a vida e a morte desapareceu, as luzes de Brasília brilharam mais forte, toda a Esplanada dos Ministérios lhe sorriu. Júlia ajoelhou-se aos seus pés, arriscou um sorriso tímido, foi em vão. Nelson estava extasidado com aquela força que o tomava por dentro. Quis gritar, quis chorar, quis viver, tarde demais! O poder lhe tirara a vida para sempre. Não mais via Júlia com coçeiras nas costas. Apenas ansiava pelo espetáculo do arrebol candango, que não tardaria a vir, para que logo cedo assumisse sua cadeira no Parlamento.




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